Em 1983, Estudiantes x Grêmio protagonizaram a Batalha de La Plata | Foto: CP Memória
O Grêmio inicia nesta terça-feira a disputa das oitavas de final da Libertadores da América. O adversário é um clube que está na história do Tricolor e da competição: Estudiantes de La Plata. A equipe argentina protagonizou um dos capítulos mais heroicos dos 114 anos do tricolor gaúcho: a Batalha de La Plata.
Em 1983, a fase semifinal da Libertadores foi disputada em triangulares. Grêmio, Estudiantes e América de Cali (Colômbia) brigavam por uma vaga na decisão. O Tricolor chegou ao confronto com os argentinos, seu último jogo na chave, na liderança e precisava de uma vitória para carimbar o passaporte à final, pois o Estudiantes ainda enfrentaria os colombianos na última rodada.
“O pior jogo da minha vida”
Fora do campo, os termômetros registravam marcas próximas de 0 ºC, mas dentro das quatro linhas e nas arquibancadas do estádio Estadio Jorge Luis Hirsch, o caldeirão borbulhava e espumava raiva e ódio dos argentinos. O lateral Paulo Roberto, titular naquela noite em La Plata, ao relembrar a partida é categórico: “Foi o pior jogo da minha vida.” Ainda jovem em 1983, com 21 anos, ele voltou à Argentina outras vezes para jogos de Libertadores e outras competições continentais, mas garante que nunca viu algo parecido com aquele confronto com o Estudiantes.
“Foi a pior sensação em um jogo, digo no sentido de temeridade, até de risco de vida por tudo que aconteceu ali. A nossa chegada foi uma pressão, com ônibus quebrado, a entrada dos vestiários. Foi tudo muito violento. Foi uma época em que teve a Guerra das Malvinas e a situação era complicada”, recordou.
Guerra das Malvinas
O cenário encontrado pelo time gaúcho naquela noite de 8 de julho de 1983 foi o pior possível. O clima parecia de guerra, como descreveu o então supervisor do Grêmio e até hoje funcionário do clube Antônio Carlos Verardi, o Seu Verardi, em sua biografia. “Ficamos hospedados em Buenos Aires porque o ambiente (em La Plata) estava terrível”, recordou Verardi.
A Guerra das Malvinas de alguma forma pode ter influenciado naquele ambiente completamente hostil de La Plata. O conflito armado com a Inglaterra pela ilha, localizada a 464 km da costa argentina, havia ocorrido um ano antes e foi uma tentativa do presidente Leopoldo Galtieri de levantar a popularidade do governo militar junto aos argentinos.
Com a derrota, que terminou com 649 soldados argentinos mortos, Galtieri foi destituído. O ano de 1983 foi de manifestações populares até que no dia 30 de outubro Raúl Alfonsín foi eleito presidente democraticamente após um triste período da história argentina: ditadura militar violenta e que deixa sequelas até hoje no país.
Viva a Inglaterra
Antônio Carlos Verardi lembra que viu a partida entre torcedores do Estudiantes. Ele recordou que o tema da Guerra das Malvinas fez parte das provocações nas arquibancadas. “Não lembro por qual razão fui assistir a esse jogo nas sociais do Estudiantes. Eu estava com o empresário Ricardo Varella, que me apresentou um árbitro argentino. Eu pedi: ‘por favor, não falem comigo. Se eu me esqueço e falo português aqui no meio, eles vão me matar’. O ambiente tinha ficado mais tenso porque lá no meio da torcida do Grêmio alguém gritou: ‘viva a Inglaterra’”, relembrou.
País em convulsão social
O jogo entre Grêmio e Estudiantes ocorreu nesse momento de crise política e econômica na Argentina, em que também a inflação era altíssima. “Alguns dirigentes do Grêmio que trouxeram as esposas para Buenos Aires saíram a passear pela cidade e reclamavam dos altos preços. Foi-se o bom senso, era o consenso”, escreveu o jornalista Lasier Martins em sua coluna no Correio do Povo no dia anterior à partida. Com influência ou não dos problemas do país, a verdade é que o Estudiantes tratou de tornar o clima o mais hostil possível para o Grêmio.
Expulsões, chutes e socos
Antes da bola rolar, o meio-campista Marcelo Trobbiani levou cartão amarelo. “O cartão para Trobbiani antes do início da partida deu uma ideia do que seria esse jogo”, escreveu o jornalista Alberto Blum no Jornal Folha da Tarde (9/8/1983) na crônica da partida.
Trobbiani estava mesmo fora de controle e acabou expulso logo aos 32 minutos após um chute em China. Na confusão, Ponce também levou o vermelho deixando a equipe de La Plata com dois homens a menos. Mesmo assim, o Estudiantes conseguiu abrir o placar com Sergio Gurrieri aos 39 minutos. O Grêmio empatou com Osvaldo no finalzinho do primeiro tempo. Na ida para os vestiários, o atacante Caio foi agredido e não voltou para o segundo tempo.
“Lembro que os dois times iam pelo mesmo corredor e no final cada um entrava para o seu vestiário. O Caio ficou para trás porque estava dando entrevista para a televisão e foi agredido. O Espinosa (técnico do Grêmio) foi dar a palestra para nós e vimos que estava faltando um jogador. Fomos ver e o Caio estava lá fora apanhando”, relembrou Paulo Roberto.
Sem Caio, o treinador voltou com César para os 45 minutos restantes. E foi ele o autor da virada gremista. Renato Portaluppi ampliou: 3 a 1. Na comemoração saiu pedindo silêncio aos torcedores argentinos. A partir daí a tensão extrapolou definitivamente os muros do estádio. O auxiliar Ramón Barreto foi agredido com uma pedrada vinda das arquibancadas. Nova interrupção da partida. Desta vez dirigentes e atletas reservas do time argentino entraram no gramado. Foi nesse momento, conta Paulo Roberto, que o árbitro uruguaio Luis de La Rosa conversou com o capitão gremista Hugo de León e disse que era para o Tricolor deixar o Estudiantes empatar a partida. “O juiz estava apitando bem e chegou um ponto no segundo tempo que ele chamou o De León e falou que, se não empatasse o jogo, tinha dúvida se nós e ele sairíamos vivos”, contou.
Jogando firme até o final
Paulo Roberto garante que os jogadores do Grêmio ignoraram o pedido do árbitro e tentaram manter o resultado. Luis de La Rosa, porém, pareceu ter sentido a pressão. Quando o placar já estava em 3 a 2 - Sergio Gurrieri havia marcado o segundo tento argentino -, Osvaldo teve um gol claramente legal anulado pelo auxiliar Ramón Barreto, o mesmo que fora atingido por uma pedrada minutos antes. “O juiz e o bandeirinha ficaram com medo. Teve dois contra-ataques nossos em que eles marcaram impedimentos que não era. Da nossa parte, tentamos de toda maneira sair com a vitória. Infelizmente, não deu”, afirmou Paulo Roberto.
Sete jogadores em campo
O Estudiantes ainda teve mais dois jogadores expulsos e, mesmo com sete homens em campo, chegou ao empate nos minutos finais com Miguel Ángel Russo, um resultado que deixava o Grêmio sem depender mais de suas forças para chegar à final da Libertadores, mas ao menos garantia a segurança da delegação. “Eles empataram o jogo e nós saímos de dentro de campo. Para sair do vestiário foi difícil também, com eles tocando pedra, batendo no ônibus”, completou o ex-lateral gremista Paulo Roberto.
“Escândalo de La Plata”
“Escândalo de La Plata”, assim o narrador Armindo Antônio Ranzolin definiu a partida entre Estudiantes e Grêmio em seu comentário na Rádio Guaíba, que era publicado na Folha da Tarde. Ranzolin relatou que por momentos se sentiu em um ambiente de guerra durante o relato da partida no estádio Jorge Luis Hirschi.
“Houve momentos, dentro do Estádio de La Plata, em que não me senti mais como um cronista esportivo. Os acontecimentos que testemunhei transcenderam a uma simples anormalidade ou à violência, por maior que seja, que possam existir dentro de um campo de futebol. Me senti como se fosse um correspondente de guerra. E, se eu tive esta sensação, posso imaginar que não sentiram os jogadores do Grêmio, pressionados, ameaçados e encurralados dentro daquele verdadeiro campo de batalha”, descreveu Ranzolin.
“Os acontecimentos em La Plata foram tipicamente um caso de polícia. E, em se tratando de cidadãos de diferentes nacionalidades, eu até acho que se trata de um caso que deve merecer a atenção das autoridades diplomáticas do Brasil e da Argentina. Os próprios argentinos que estiveram à margem dos acontecimentos, sentiram vergonha dos escandalosos lances de loucura e histeria que foram protagonizados pela selvageria dos jogadores em campo e da torcida que se deixou contagiar por eles fora do campo”, afirmou o narrador em outro trecho do comentário.
Na cobertura dos jornais argentinos houve divisão entre elogios ao Estudiantes pelo feito de buscar o empate com quatro jogadores a menos e críticas ao ambiente que cercou o jogo. O jornal Tiempo Argentino, de Buenos Aires, destacou o “espírito de luta” dos atletas do Estudiantes e criticou os gremistas. "Estudiantes foi da vergonha à façanha. Sete heróis, só sete, contra onze brasileiros sem coração", definiu o periódico.
O Diário Popular relatou que a "coragem do Estudiantes foi premiada" enquanto o Clarín criticou o árbitro uruguaio Luis de La Rosa pelas expulsões de Trobbiani e Ponce ainda no primeiro tempo. "Trobbiani foi expulso sem razão clara e o vermelho para Ponce foi injusto", definiu o jornal.
O La Nación optou por um outro caminho e foi crítico à violência que ocorreu em La Plata. "Ficará na lembrança essa recuperação sem parâmetros de sete homens. Todo entusiasmo por essa reação não poderá ocultar, no entanto, as intimidações que sofreram os brasileiros, as pedradas, as agressões. Quase todos os expulsos mereceram sair do jogo, o descontrole prejudicou visivelmente o Estudiantes", avaliou.
Vivos, na grande final e campeões
O empate por 3 a 3 em La Plata deixou o Grêmio ainda na liderança do grupo, com cinco pontos. Com três, o Estudiantes ainda enfrentaria o América de Cali na última rodada e poderia igualar a pontuação gremista com vitória ficando em vantagem no saldo de gols. Por conta disso, o ambiente no vestiário gremista após a partida foi de frustração e apreensão.
Restou ao Tricolor torcer de longe, e foi uma torcida com sucesso. Uma semana depois, no dia 15 de julho, o América segurou o 0 a 0 com o Estudiantes na Colômbia e o Grêmio avançou para a tão sonhada decisão da Libertadores. O adversário, outro gigante do futebol sul-americano: Peñarol. A batalha de La Plata é um capítulo triste na história do futebol, mas que não resta dúvida forjou o Grêmio a saber sofrer para vencer e conquistar títulos. Na decisão contra os uruguaios – empate em Montevidéu (1 a 1) e vitória no Olímpico – 2 a 1, no gol de César após cruzamento de Renato Portaluppi. A América, enfim, pertencia aos gremistas. A Batalha de La Plata, porém, é um capítulo até hoje tanto ou mais lembrado pelos jogadores e torcedores que o sangue na testa do capitão Hugo de León ao erguer a taça diante dos torcedores no Olímpico.
VEJA TAMBÉM
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- Dodi valoriza empate do Grêmio e prevê jogo de volta com apoio da torcida
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Em 1983, a fase semifinal da Libertadores foi disputada em triangulares. Grêmio, Estudiantes e América de Cali (Colômbia) brigavam por uma vaga na decisão. O Tricolor chegou ao confronto com os argentinos, seu último jogo na chave, na liderança e precisava de uma vitória para carimbar o passaporte à final, pois o Estudiantes ainda enfrentaria os colombianos na última rodada.
“O pior jogo da minha vida”
Fora do campo, os termômetros registravam marcas próximas de 0 ºC, mas dentro das quatro linhas e nas arquibancadas do estádio Estadio Jorge Luis Hirsch, o caldeirão borbulhava e espumava raiva e ódio dos argentinos. O lateral Paulo Roberto, titular naquela noite em La Plata, ao relembrar a partida é categórico: “Foi o pior jogo da minha vida.” Ainda jovem em 1983, com 21 anos, ele voltou à Argentina outras vezes para jogos de Libertadores e outras competições continentais, mas garante que nunca viu algo parecido com aquele confronto com o Estudiantes.
“Foi a pior sensação em um jogo, digo no sentido de temeridade, até de risco de vida por tudo que aconteceu ali. A nossa chegada foi uma pressão, com ônibus quebrado, a entrada dos vestiários. Foi tudo muito violento. Foi uma época em que teve a Guerra das Malvinas e a situação era complicada”, recordou.
Guerra das Malvinas
O cenário encontrado pelo time gaúcho naquela noite de 8 de julho de 1983 foi o pior possível. O clima parecia de guerra, como descreveu o então supervisor do Grêmio e até hoje funcionário do clube Antônio Carlos Verardi, o Seu Verardi, em sua biografia. “Ficamos hospedados em Buenos Aires porque o ambiente (em La Plata) estava terrível”, recordou Verardi.
A Guerra das Malvinas de alguma forma pode ter influenciado naquele ambiente completamente hostil de La Plata. O conflito armado com a Inglaterra pela ilha, localizada a 464 km da costa argentina, havia ocorrido um ano antes e foi uma tentativa do presidente Leopoldo Galtieri de levantar a popularidade do governo militar junto aos argentinos.
Com a derrota, que terminou com 649 soldados argentinos mortos, Galtieri foi destituído. O ano de 1983 foi de manifestações populares até que no dia 30 de outubro Raúl Alfonsín foi eleito presidente democraticamente após um triste período da história argentina: ditadura militar violenta e que deixa sequelas até hoje no país.
Viva a Inglaterra
Antônio Carlos Verardi lembra que viu a partida entre torcedores do Estudiantes. Ele recordou que o tema da Guerra das Malvinas fez parte das provocações nas arquibancadas. “Não lembro por qual razão fui assistir a esse jogo nas sociais do Estudiantes. Eu estava com o empresário Ricardo Varella, que me apresentou um árbitro argentino. Eu pedi: ‘por favor, não falem comigo. Se eu me esqueço e falo português aqui no meio, eles vão me matar’. O ambiente tinha ficado mais tenso porque lá no meio da torcida do Grêmio alguém gritou: ‘viva a Inglaterra’”, relembrou.
País em convulsão social
O jogo entre Grêmio e Estudiantes ocorreu nesse momento de crise política e econômica na Argentina, em que também a inflação era altíssima. “Alguns dirigentes do Grêmio que trouxeram as esposas para Buenos Aires saíram a passear pela cidade e reclamavam dos altos preços. Foi-se o bom senso, era o consenso”, escreveu o jornalista Lasier Martins em sua coluna no Correio do Povo no dia anterior à partida. Com influência ou não dos problemas do país, a verdade é que o Estudiantes tratou de tornar o clima o mais hostil possível para o Grêmio.
Expulsões, chutes e socos
Antes da bola rolar, o meio-campista Marcelo Trobbiani levou cartão amarelo. “O cartão para Trobbiani antes do início da partida deu uma ideia do que seria esse jogo”, escreveu o jornalista Alberto Blum no Jornal Folha da Tarde (9/8/1983) na crônica da partida.
Trobbiani estava mesmo fora de controle e acabou expulso logo aos 32 minutos após um chute em China. Na confusão, Ponce também levou o vermelho deixando a equipe de La Plata com dois homens a menos. Mesmo assim, o Estudiantes conseguiu abrir o placar com Sergio Gurrieri aos 39 minutos. O Grêmio empatou com Osvaldo no finalzinho do primeiro tempo. Na ida para os vestiários, o atacante Caio foi agredido e não voltou para o segundo tempo.
“Lembro que os dois times iam pelo mesmo corredor e no final cada um entrava para o seu vestiário. O Caio ficou para trás porque estava dando entrevista para a televisão e foi agredido. O Espinosa (técnico do Grêmio) foi dar a palestra para nós e vimos que estava faltando um jogador. Fomos ver e o Caio estava lá fora apanhando”, relembrou Paulo Roberto.
Sem Caio, o treinador voltou com César para os 45 minutos restantes. E foi ele o autor da virada gremista. Renato Portaluppi ampliou: 3 a 1. Na comemoração saiu pedindo silêncio aos torcedores argentinos. A partir daí a tensão extrapolou definitivamente os muros do estádio. O auxiliar Ramón Barreto foi agredido com uma pedrada vinda das arquibancadas. Nova interrupção da partida. Desta vez dirigentes e atletas reservas do time argentino entraram no gramado. Foi nesse momento, conta Paulo Roberto, que o árbitro uruguaio Luis de La Rosa conversou com o capitão gremista Hugo de León e disse que era para o Tricolor deixar o Estudiantes empatar a partida. “O juiz estava apitando bem e chegou um ponto no segundo tempo que ele chamou o De León e falou que, se não empatasse o jogo, tinha dúvida se nós e ele sairíamos vivos”, contou.
Jogando firme até o final
Paulo Roberto garante que os jogadores do Grêmio ignoraram o pedido do árbitro e tentaram manter o resultado. Luis de La Rosa, porém, pareceu ter sentido a pressão. Quando o placar já estava em 3 a 2 - Sergio Gurrieri havia marcado o segundo tento argentino -, Osvaldo teve um gol claramente legal anulado pelo auxiliar Ramón Barreto, o mesmo que fora atingido por uma pedrada minutos antes. “O juiz e o bandeirinha ficaram com medo. Teve dois contra-ataques nossos em que eles marcaram impedimentos que não era. Da nossa parte, tentamos de toda maneira sair com a vitória. Infelizmente, não deu”, afirmou Paulo Roberto.
Sete jogadores em campo
O Estudiantes ainda teve mais dois jogadores expulsos e, mesmo com sete homens em campo, chegou ao empate nos minutos finais com Miguel Ángel Russo, um resultado que deixava o Grêmio sem depender mais de suas forças para chegar à final da Libertadores, mas ao menos garantia a segurança da delegação. “Eles empataram o jogo e nós saímos de dentro de campo. Para sair do vestiário foi difícil também, com eles tocando pedra, batendo no ônibus”, completou o ex-lateral gremista Paulo Roberto.
“Escândalo de La Plata”
“Escândalo de La Plata”, assim o narrador Armindo Antônio Ranzolin definiu a partida entre Estudiantes e Grêmio em seu comentário na Rádio Guaíba, que era publicado na Folha da Tarde. Ranzolin relatou que por momentos se sentiu em um ambiente de guerra durante o relato da partida no estádio Jorge Luis Hirschi.
“Houve momentos, dentro do Estádio de La Plata, em que não me senti mais como um cronista esportivo. Os acontecimentos que testemunhei transcenderam a uma simples anormalidade ou à violência, por maior que seja, que possam existir dentro de um campo de futebol. Me senti como se fosse um correspondente de guerra. E, se eu tive esta sensação, posso imaginar que não sentiram os jogadores do Grêmio, pressionados, ameaçados e encurralados dentro daquele verdadeiro campo de batalha”, descreveu Ranzolin.
“Os acontecimentos em La Plata foram tipicamente um caso de polícia. E, em se tratando de cidadãos de diferentes nacionalidades, eu até acho que se trata de um caso que deve merecer a atenção das autoridades diplomáticas do Brasil e da Argentina. Os próprios argentinos que estiveram à margem dos acontecimentos, sentiram vergonha dos escandalosos lances de loucura e histeria que foram protagonizados pela selvageria dos jogadores em campo e da torcida que se deixou contagiar por eles fora do campo”, afirmou o narrador em outro trecho do comentário.
Na cobertura dos jornais argentinos houve divisão entre elogios ao Estudiantes pelo feito de buscar o empate com quatro jogadores a menos e críticas ao ambiente que cercou o jogo. O jornal Tiempo Argentino, de Buenos Aires, destacou o “espírito de luta” dos atletas do Estudiantes e criticou os gremistas. "Estudiantes foi da vergonha à façanha. Sete heróis, só sete, contra onze brasileiros sem coração", definiu o periódico.
O Diário Popular relatou que a "coragem do Estudiantes foi premiada" enquanto o Clarín criticou o árbitro uruguaio Luis de La Rosa pelas expulsões de Trobbiani e Ponce ainda no primeiro tempo. "Trobbiani foi expulso sem razão clara e o vermelho para Ponce foi injusto", definiu o jornal.
O La Nación optou por um outro caminho e foi crítico à violência que ocorreu em La Plata. "Ficará na lembrança essa recuperação sem parâmetros de sete homens. Todo entusiasmo por essa reação não poderá ocultar, no entanto, as intimidações que sofreram os brasileiros, as pedradas, as agressões. Quase todos os expulsos mereceram sair do jogo, o descontrole prejudicou visivelmente o Estudiantes", avaliou.
Vivos, na grande final e campeões
O empate por 3 a 3 em La Plata deixou o Grêmio ainda na liderança do grupo, com cinco pontos. Com três, o Estudiantes ainda enfrentaria o América de Cali na última rodada e poderia igualar a pontuação gremista com vitória ficando em vantagem no saldo de gols. Por conta disso, o ambiente no vestiário gremista após a partida foi de frustração e apreensão.
Restou ao Tricolor torcer de longe, e foi uma torcida com sucesso. Uma semana depois, no dia 15 de julho, o América segurou o 0 a 0 com o Estudiantes na Colômbia e o Grêmio avançou para a tão sonhada decisão da Libertadores. O adversário, outro gigante do futebol sul-americano: Peñarol. A batalha de La Plata é um capítulo triste na história do futebol, mas que não resta dúvida forjou o Grêmio a saber sofrer para vencer e conquistar títulos. Na decisão contra os uruguaios – empate em Montevidéu (1 a 1) e vitória no Olímpico – 2 a 1, no gol de César após cruzamento de Renato Portaluppi. A América, enfim, pertencia aos gremistas. A Batalha de La Plata, porém, é um capítulo até hoje tanto ou mais lembrado pelos jogadores e torcedores que o sangue na testa do capitão Hugo de León ao erguer a taça diante dos torcedores no Olímpico.
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