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"Não posso pautar minhas decisões por opiniões passionais", diz Roger Machado

Em conversa de uma hora no CT Luiz Carvalho, técnico falou de política, explicou sua visão de futebol e projetou conquistas no futuro do Grêmio


Fonte: Zero Hora

Não posso pautar minhas decisões por opiniões passionais, diz Roger Machado
Foto: Diego Vara / Agencia RBS
As questões de estratégias táticas ainda fervilham na mente do Roger Machado ao final das tardes em que ele deixa o CT Luiz Carvalho e inicia o longo percurso de carro até o seu condomínio na zona sul de Porto Alegre.

O ofício é a paixão do técnico. Seu gosto é descobrir os caminhos que podem levar à próxima vitória e ensaiá-los ao máximo no treinamento. "Quem quiser, vomite no cantinho depois do treino" costuma dizer aos jogadores ao anunciar o treino exaustivo.

— Penso futebol 24 horas por dia. Tenho do lado da cama um bloco de papel e lápis porque, muitas vezes, acordo no meio da noite e me vem a ideia de um treino em que possa trabalhar algum conceito do nosso jogo — conta.

A paixão o leva a ler vários livros ao mesmo tempo, a maioria sobre tática. Um deles é "Defesa à zona no futebol", do português Nuno Amieiro, ex-integrante da comissão técnica do Futebol Clube Porto em 2004 e 2005, coautor de Por quê tantas vitórias, sobre José Mourinho.



Roger franqueou a ZH trechos do livro que chamaram sua atenção. Estão sublinhados com tinta azul e revelam o seu encantamento com a marcação por zona, que passou a aplicar com maior intensidade quando venceu por 1 a 0 o Atlético-PR, pela Copa do Brasil. Ali nasceu a ideia dos três volantes — ele nega que a intenção tenha sido preencher os corredores laterais. Apoiado em estatísticas de seu grupo de apoio, conclui que a chance de vitória aumenta à medida em que crescem as bolas roubadas no campo adversário por jogadores de marcação e que "saibam" jogar. Os tais médios-apoiadores.

Sua fonte de inspiração também vem de outros esportes. Viu muito handebol na Olimpíada. Taticamente, serve de lições ao futebol. Roger é capaz de passar horas falando a respeito. Mas não só sobre tática. Ele também pensa política e o momento do país. Veja o que ele fala.

Qual sua posição sobre o impeachment de Dilma Rousseff?
Aqui no clube, a gente conversa a respeito em alguns momentos. Tenho um companheiro de bate papo, que é o JP (o assessor de imprensa João Paulo Fontoura), falamos sobre o momento político no país. O processo de impedimento de um presidente é algo legítimo na Constituição. Vivemos um momento histórico. O fato de se julgar um ato arbitrário de um presidente da República é algo que não passa despercebido. As ruas se manifestaram pró e contra às arbitrariedades que teriam sido cometidas pela nossa presidente. A decisão é de peso político importante e isso influencia tudo. Só o futuro e a história vão nos dizer se realmente esse passo foi assertivo ou não.

Há quem interprete como um golpe. É precipitado dizer isso ou não?
Cada um defende a legalidade do ato. Só o tempo dirá se o que acontece neste momento no país é justo ou não.

Você fala com os jogadores sobre outras questões além do futebol? Com Wallace Reis, por exemplo, que parece interessado em outros temas.
Ainda não falei sobre outros assuntos com o Reis, só sobre os de campo. Mas já deu para perceber que é um jogador (Wallace) com posicionamento político bem definido, com ideias claras e que, acima de tudo, pensa o futebol não apenas como esporte e, sim, como um movimento político e social dentro do país. Espero o momento para conversar com ele a respeito de outras coisas. É cada vez mais necessário atletas com nível de envolvimento com o que acontece a sua volta. Tenho certeza de que esse reflexo vai para dentro de campo.

Essa postura de Wallace Reis influencia outros jogadores?
Tenho certeza de que sim. Começa a passar a ideia e a mensagem de que, tão importante quanto compreender a tática do jogo, é preciso compreender o mundo em seu entorno. Não podemos ficar alienados, nem deixar de ter opinião sobre outros assuntos. É importante que os atletas se atentem para isso. E já o fazem. Outro dia, numa coletiva, falei que a média de jogadores do nosso grupo cursando a universidade é maior do que o percentual da média brasileira. E isso é um fenômeno recente. É difícil conciliar o calendário apertado, com viagens, e ainda ter cabeça para estudar. Os atletas se influenciam pelos outros. Eu me influenciei.



Quem o influenciou?
Recordo que, no período em que trabalhei com o Caio (Caio Ribeiro, hoje comentarista da Rede Globo), era diferente vê-lo sentado à mesa com pessoas de outras áreas conversando sobre política, história, geografia e, por vezes, você se calar porque não tinha conteúdo para isso. Com Petkovic, eu o ouvia falar dessas mesmas questões e de economia tão bem quanto um analista da televisão. Nos aeroportos, ele trocava de idioma duas ou três vezes, dependendo de quem o abordava. Isso gera entusiasmo nos outros. Se esse cara consegue, com o meu mesmo nível de correria, é possível fazer também.

Por que você trocou um sistema admirado em todo o país? O Cuca chegou a dizer que dá gosto ver o Grêmio jogar.
Foi diferente do que foi comentado na semana da troca, que, por termos tido problemas pelo lado do campo contra o Flamengo, eu pretendesse querer colocar jogadores a mais para conter esses avanços. Ou mesmo pelo fato de estar jogando Copa do Brasil, para segurar o resultado de empate por ser decisão em dois jogos. Nossa avaliação já vem de algum tempo, por alguns números do nosso jogo. Eu sempre falava da relação de contribuição dos jogadores ofensivos dentro do processo defensivo. Quando o número de bolas roubadas era acima de 30 e em cada três roubadas uma era feita por um jogador de ataque, tínhamos um aproveitamento muito alto de vitória (veja o quadro). Mais do que exigir que jogadores de lado me dessem mais do ponto de vista ofensivo, talvez devêssemos mudar a característica desses jogadores que fazem a marcação mais alta. E teria que ser um jogador mais forte na marcação, mas que tivesse jogo. Por isso, o nome médio-apoiador, em vez de volante. Mais do que o número da camisa, exercitam a função no espaço que ocupam. Com uma formação nova, tenho estrutura igual, mas com um jogador bem definido, como Maicon, contra o Atlético-MG. Na linha de pressão, passei a ter dois médios com poder de marcação, um meia e dois atacantes à frente.

Você se incomoda ao ver que seu esforço de explicar não é entendido? Que o analista e o torcedor ainda olham mais o número da camisa e não a função?
Eu trabalho com o futebol dentro do campo. A parte do resultado, que se traduz no produto final, é analisada pelo perder ou ganhar. Eu tenho que ter a solução como profissional do campo. Não posso pautar minhas decisões do dia a dia ou do jogo pela opinião muitas vezes passional do nosso torcedor, que vai avaliar muitas vezes apenas o perder ou ganhar.

Você acha que o analista também tem dificuldade de ver o que acontece em campo?
É preciso que a gente deixe de ter um olhar mais conservador para as questões táticas e estruturais de campo. Que o volante é o que marca, que o meia é o que cria, que o centroavante é o que faz gol e que o goleiro é o que defende.

A visão da crítica é conservadora?
É extremamente conservadora.



Como a mudança da visão no futebol é recente, a mídia ainda está aprendendo os novos códigos?
Esse processo está em franco desenvolvimento. Já vejo muitos profissionais com nova linha de raciocínio relacionada ao jogo coletivo. Não vai ser uma mudança brusca, tem de ser gradativa. Não é uma ruptura, mas uma nova perspectiva de ver o jogo, extraindo o que os outros esportes coletivos já fazem há muito tempo, e o futebol, por ser extremamente conservador, resiste à mudança e à possibilidade de se desfrutar do futebol de outra forma, tão bonito como existia com a plasticidade que era admirada no mundo inteiro.

As pessoas que não compreendem seu discurso são as que o chamam de pedante ou pretensioso?
Pode ser, talvez. Mas eu não tenho nenhuma intenção disso. Talvez pelo fato de eu ser extremamente apaixonado pelo que faço, eu falo com muito entusiasmado sobre essas questões, imaginando que todas as pessoas tenham alcançado o nível de entendimento que, depois de muito viver o futebol e estudar, eu tenha adquirido.

Você se policia em relação a isso?
Não. Não me policio. Não faço essa distinção justamente porque eu quero proporcionar às pessoas uma forma diferente de ver o jogo. Quero que as pessoas se entusiasmem a ver outra forma de jogar. Hoje, eu olho futebol americano na televisão e acho muito bonito ver as questões táticas do jogo. Ver a Olimpíada e observar outros esportes coletivos com as questões táticas muito mais desenvolvidas do que o futebol em vários momentos é extremamente gostoso. Isso não quer dizer que vamos deixar de ter o nosso jogador talentoso, que a qualidade do nosso jogador não vai decidir os jogos. Vai decidir, sim. O talento ainda é decisivo. Só que esse talento organizado potencializa a criatividade em campo.

É o Barcelona quem melhor combina organização e talento?
Há várias escolas no mundo que fazem isso. A espanhola, a alemã, a italiana, a inglesa. Se você quer aprender a defender bem, estude a escola italiana de futebol. A tática foi criada em esportes coletivos como o futebol inegavelmente para tentar sobrepor o nosso talento. Se você se organizar para criar estrutura para gerar o desequilíbrio no adversário pelas suas movimentações, faz com que você consiga, com jogadores menos talentosos, o mesmo percentual de vitória pessoal do que o brasileiro. Essa é a questão. Agora, imagine se conseguirmos ter o nosso individualismo com uma organização que nos permita potencializar isso. Voltaremos a ser imbatíveis.



Padrão de jogo gera expectativa de conquista? O time tem ótimas atuações e, às vezes, não consegue vencer...
O desafio nesse momento é manter um nível de atuação alto com regularidade. Em vários momentos mantemos nível alto, em outros, nem tanto. Agora, claro que a expectativa junto ao torcedor foi pelas atuações desde o ano passado. Eu não tenho dúvida de que pavimentamos um processo que vai resultar em conquistas. Só não tenho como garantir se será agora ou daqui a pouco. Não sei se será comigo ou com outro profissional. Mas o caminho foi bem pavimentado. Hoje, temos uma equipe que reconquistou o respeito dos nossos adversários, que entendem que sempre é muito difícil jogar contra nós.

Mas o torcedor terá paciência em esperar pelas conquistas?
Eu não posso pedir a compreensão ou a paciência do meu torcedor porque são 15 anos sem conquista. Então, eu entendo a ansiedade do torcedor, eu me controlo muito em relação a isso porque a gente sempre trabalha muito duro para levar o melhor para dentro de campo. Às vezes, quando não conseguimos, sofremos com a tristeza do torcedor e ficamos chateados com algumas manifestações ao final do jogo. Temos que saber lidar com isso e conquistar o mais rápido possível algo importante, que acabe com a ansiedade do torcedor.

Houve muita frustração com a eliminação precoce na Libertadores?
Quanto maior a expectativa, maior a frustração. O Brasileirão gerou grande expectativa. E a frustração na Libertadores foi proporcional. Com a estabilidade do começo do campeonato nacional, novas boas atuações fizeram novamente o torcedor sonhar. É perfeitamente compreensível. Mas eu tenho que trabalhar focado, não desviar o olho da estrada. A continuidade do trabalho é que vai nos dar a condição do título. Não é o título que nos dá a condição da continuidade. Já vimos inúmeras vezes grandes treinadores irem embora depois de ganhar o título e perderem quatro ou cinco jogos seguidos.

Seu nome é lembrado cada vez mais entre os melhores técnicos do Brasil. O que você deixará de herança?
Vou repetir uma resposta que já dei para Zero Hora numa das primeiras entrevistas. Eu não me acho a última bolachinha do pacote.

Mas muita gente acha que você se acha ... (risos)
O que eu posso dizer e me orgulho é que eu estudo muito futebol. Agora, se sei o suficiente para transmitir algo de bom para alguém, não sou eu quem vai dizer. Sou apaixonado pelo que faço, penso futebol quase que 24 horas por dia. Não tenho preconceito nenhum em ouvir os profissionais que estão ao meu entorno, divido e compartilho muita informação e recebo muita informação que me enriquece muito. A única exigência que faço a profissionais que me procuram é que haja troca de informações. Senão, não faz sentido. Eu quero aprender o que você tem para me passar. É um processo contínuo de aprendizado.

Pensa em deixar um legado?
Não tenho a intenção de deixar legado. Em futebol, não existe nem o certo, nem o errado. Existe o que dá certo e o que dá errado. E, muitas vezes, muita coisa certa não significa a conquista de título no final da caminhada. E nisso, infelizmente, no Brasil, você é tido como um perdedor. Eu costumo comparar com outras profissões. Com um engenheiro, um médico, um advogado. Nem todos eles recebem o título de melhor do ano. E eu tenho certeza de que todos se sentem profissionais bastante conceituados nas suas profissões. Por que eu serei tachado como fracassado se não for o primeiro da minha profissão? Não consigo entender. Na Olimpíada, o terceiro lugar comemora maravilhosamente a medalha. No futebol, numa Copa do Mundo, o terceiro lugar é um perdedor. Essa visão é um pouco turva para mim.

Você já encontrou o melhor lugar para Bolaños em campo?
Eu costumo ter conversas muito francas com os meus jogadores. Às vezes, para dar puxão de orelha ou dar conselho de amigo, de treinador, ou o que eu daria para um filho meu. Com Miller não foi diferente. O ideal é sempre conseguir colocar o atleta na melhor posição, onde ele tenha o melhor conforto para atuar. Até para que eu possa cobrá-lo na plenitude. E o Miller sempre manifestou sua boa vontade de ajudar, da forma como eu entendesse, porém, se sentiria melhor atuando logo atrás de um centroavante. Mas não só isso, que pudesse cair pelos setores do campo onde houvesse espaço. Porque ele, Douglas e Luan são os jogadores, do meio para a frente, que melhor identificam o espaço no campo, que sabem melhor sabem gerenciar a questão do espaço. Por vezes, você verá Luan e Douglas se conduzirem para o lado contrário de onde a bola está indo porque identificaram que a bola vai encontrá-los do outro lado.



Ele não fica longe com frequência da zona de finalização?
É uma frase que sempre uso: às vezes, estar perto do jogo não significa que se está perto da bola. Às vezes, estando longe da bola, se está mais perto do jogo de que quem está a dois metros dela. Miller passou por um processo duro de lesão. Vem recuperando a sua forma. Domingo, tomou uma batida e isso já o remeteu ao que aconteceu no momento anterior (a lesão na mandíbula). Não tenho dúvida de que ele já está sendo esse jogador. O que se cobra muito dele é que, nos últimos jogos, oportunidades claras foram desperdiçadas mesmo por um jogador com o nível dele. Para nós, ele é um jogador fundamental. De poucas palavras, mas que, dentro de campo, entende perfeitamente o que está acontecendo.

Que livros você está lendo?
Leio vários ao mesmo tempo, a maioria sobre tática.

O que você viu na Olimpíada?
Eu gosto dos esportes coletivos, são os que me dão noção de tática. O handebol, por exemplo, via muito. Tem um sistema tático muito parecido com o do futebol de hoje. É um esporte de transição, que defende por zona, e as posições de ataque remetem ao que eu gosto de fazer. Muitas coisas eu trago do vôlei (Roger praticou o esporte na adolescência). Gosto de provas de atletismo, do esforço em salto em altura, salto em distância. O atleta está para um indivíduo normal como um carro de Fórmula 1 está para carro de passeio. As tecnologias mais modernas que se colocam nos carros de F-1 daqui a 20 anos serão colocadas nos carros de passeio. E o atleta, também. Ele é a expressão máxima, está um passo a frente na evolução. Usain Bolt corre a 45km por hora, que hoje contrapõe o biotipo de que velocista não pode ser alto. Isso já é uma evolução, o Bolt é alto e sustenta a velocidade até o final. Também o basquete usa aspectos táticos. Aprendi muito com o meu auxiliar (Roberto Ribas, que fez mestrado em basquete na Espanha).



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Comentários



isso mesmo Roger tem que fazer o que é treinado e não inventar de última hora

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28/4/2024