AFP PHOTO / EITAN ABRAMOVICH
O sorriso tímido pode esconder o que Luan está pensando, mas dá a letra de quem o jogador é dentro de campo e fora dele. Econômico nas palavras e nos passos que dá nas quatro linhas. À primeira impressão, pode até parecer que ele é um pouco lento. Mas a visão de jogo é rara, capaz de surpreender qualquer adversário. Fora de campo não deixa barato quando precisa expor sua opinião.
Luan foi encontrando seu jeito aos poucos no Grêmio. Tão seu e tão peculiar. Ele inventou uma nova forma de jogar a ponto de não se definir em nenhuma posição. Com Roger, aprendeu a atuar 'entre as linhas'. Ali ele reina. Pode ficar quietinho atrás de um oponente, mas de repente acha um espaço e flutua entre volantes e zagueiros. Confunde a cabeça até de Tite, que ainda não achou uma função exata para ele na seleção brasileira.
"Ele é falso lento. Parece que não vai chegar na jogada e quando termina o lance ele está comemorando o gol. Ele tem uma característica de definição difícil de encontrar. Define a partida com um passe ou um gol", se admira o técnico Ademir Corrêa, que trabalhou com ele dos 15 aos 19 anos no projeto Toque de Bola, do bairro Eldorado, em São José do Rio Preto.
Joga descalço e é "falso lento" fora de campo
Assim, como quem não quer nada e ao mesmo tempo quer tudo, conquistou uma torcida exigente que sempre deu mais carinho àqueles que davam carrinho. Quietinho, virou o melhor jogador da Libertadores e é a maior arma do Grêmio para vencer o Mundial de Clubes.
Marcou um gol na final da Libertadores contra o Lanús com a segurança que deixou até os seus dirigentes extasiados. "O que me impressiona no Luan é como ele ama futebol. Ele joga como se ele estivesse descalço na rua. E joga assim uma pelada na rua ou em uma final de Libertadores", diz o diretor executivo de futebol do Grêmio, André Zanotta.
As jogadas em campo só refletem o que ele é na vida. Os amigos brincam e denunciam que ele faz o tipo 'falso lento' até na relação com a mulherada. Fica na sua e, quando ninguém percebe, já está com a garota. Tudo com muita discrição, claro.
Luan foge dos microfones, evita o assédio da imprensa e blinda bem seus familiares. Mas quando achava que deve, ninguém segura. Na comemoração do título continental, perguntou se o repórter de TV estava ao vivo para soltar um palavrão em alto e bom som e provocar Thiago Neves e Lucas Sasha.
"Tenho minha opinião e é difícil mudar. Sempre acabo tentando fazer o correto. Sou um pouco quieto, dá para perceber, mas quando me irrita e a gente fica bravo, acaba saindo um pouquinho", conta. "Eu procuro manter a tranquilidade sempre, tanto dentro de campo, às vezes acaba saindo um pouquinho disso. Mas é meu jeito, acho que algumas coisas dentro de campo que eu não gosto, eu fico bravo, xingo, brigo. Mas é mostrando que eu quero vencer", diz ele.
Quase desistiu do campo antes de explodir
Luan já mostrava que não era só mais um na multidão ainda com seus nove anos de idade. Nessa época, ele já jogava no projeto Missão Resgate, que atendia crianças carentes no bairro São Jorge e dava um baile no futsal. Até hoje usa a condução com a bola e o drible curto que aprendeu naqueles tempos. Além da habilidade, desenvolveu também a paciência.
Os tempos eram difíceis. O técnico Alex Rocha lembra que ajudava com chuteiras e lanches. Já no fim da adolescência, conseguiram uma ajuda de custo de R$ 200 com a prefeitura da cidade. Não eram raras as vezes que enfrentava times de meninos mais ricos e ouvia de tudo. "Falavam que a gente era pobre, que a gente passava fome, que era time de periferia", conta Leonardo, amigo de infância.
Ainda cedo, aprendeu a usar a inteligência para vencer diante das adversidades. "Às vezes acontecia uma situação adversa de intimidação, de adversário querendo intimidar, até mesmo bater nele para ele não jogar. E ele nunca saiu do jogo. Ele nunca fugiu da responsabilidade. Eu me lembro de um jogo contra o Santos no futsal. A nossa equipe sem estrutura nenhuma e o time adversário com toda a estrutura de uma equipe profissional, e acabou o jogo com 6 a 2 para nós. Ele acabou com o jogo. Fez quatro gols", conta o técnico na época, Ademir.
Ademir até hoje se orgulha da trajetória do pupilo e de ter metido o dedo onde devia. Já com 18 anos, Luan havia deixado o futsal para se dedicar ao campo. Jogou no Tanabi e no América de Rio Preto. Insatisfeito, quis retornar ao time nas vésperas de disputar a Copa São Paulo de futebol de júnior, mas ouviu do técnico que precisava insistir mais um pouco e apostar todas as fichas nos três jogos que poderiam mudar sua vida. Não deu outra. Luan arrebentou e despertou o interesse do Grêmio.
Silêncio sobre o pai e amigos (muito) por perto
Até hoje Luan é grato pelos conselhos recebidos no passado e faz questão de manter suas raízes. Sociável, é aberto a novas amizades e tem em seu seleto grupo o cantor de funk Nego do Borel e os badalados Neymar e Gabriel Jesus, com quem conviveu na seleção.
Mas ele não se ilude com qualquer um que se aproxima agora que é famoso. Luan é amigo dos amigos. E dos bons. É fechado com quem está com ele desde a infância e até aconselha aqueles que escolheram o caminho errado na violenta comunidade São Jorge.
"Tem vários até hoje que nós tentamos ajudar conversando até o fim. Mas cada um segue seu caminho. Tentávamos até que fossem jogar bola com a gente, sair desse mundo aí que não compensa. Graças a Deus sempre tivemos cabeça para não nos envolvermos", conta Geovani Felipe dos Santos, que mora com ele e atua pelo Cruzeiro-RS.
O jogador não chega a ser carente, mas não gosta de ficar sozinho. Curiosamente, vive em uma república em Porto Alegre com três amigos de infância. Alugou uma cobertura de um prédio perto do centro de treinamento do Grêmio e banca todos os custos, não deixa ninguém tirar um real do bolso. A vida é festa, mas com bastante moderação. Os churrascos só são permitidos de vez em quando.
Quem sofre é a faxineira, carinhosamente chamada de "tia", que arruma toda a bagunça que os marmanjos fazem. Os amigos revelam que o meia é um dos piores em termos de organização, mas até se esforça no fim de semana. O mais importante é a verdadeira família formada, que divide momentos de alegria e tristeza. Quando Luan recebeu uma proposta da Rússia, eles foram um dos primeiros a saber.
"Eles acabaram ficando comigo lá em Porto Alegre pelo fato de eu estar sozinho, não ter amigos. Então carrego eles, são pessoas que me ajudaram, que estavam comigo antes de tudo. Isso eu preservo muito, meus amigos, minha família, que sempre estiveram comigo nos momentos difíceis. E agora não pode ser diferente", disse ele.
O amor pelos amigos só não é maior do que pela mãe, dona Márcia, a quem ele deve tudo. Foi ela quem segurou a barra quando Luan perdeu o pai em um acidente de moto, quando ele tinha quatro anos de idade. Ela trabalhou por anos como faxineira para ajudar o filho e sempre o incentivou no futebol ao lado do irmão mais novo, Lucas, e da avó, Cida. "Ela vive sempre me ajudando pelo fato de ser o meu sonho, de acreditar em mim. Foi importante para mim, poder correr atrás e realizar o sonho, devo tudo a ela", conta.
Aos amigos, ele nunca externou sobre a perda do pai. Talvez a infância difícil dê a letra de quem ele é hoje. "Ele foi criado na periferia desde moleque e assim acabou vencendo as dificuldades da vida, no peito, na raça, não tem muita frescurinha. Isso até hoje faz parte da personalidade dele, de quem faz um gol em final da Libertadores com toda a tranquilidade e jogando na Argentina. É um reflexo. Se a vida se apresenta difícil, tem que enfrentar", analisa o seu primeiro técnico, Alex.
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"Ele é falso lento. Parece que não vai chegar na jogada e quando termina o lance ele está comemorando o gol. Ele tem uma característica de definição difícil de encontrar. Define a partida com um passe ou um gol", se admira o técnico Ademir Corrêa, que trabalhou com ele dos 15 aos 19 anos no projeto Toque de Bola, do bairro Eldorado, em São José do Rio Preto.
Joga descalço e é "falso lento" fora de campo
Assim, como quem não quer nada e ao mesmo tempo quer tudo, conquistou uma torcida exigente que sempre deu mais carinho àqueles que davam carrinho. Quietinho, virou o melhor jogador da Libertadores e é a maior arma do Grêmio para vencer o Mundial de Clubes.
Marcou um gol na final da Libertadores contra o Lanús com a segurança que deixou até os seus dirigentes extasiados. "O que me impressiona no Luan é como ele ama futebol. Ele joga como se ele estivesse descalço na rua. E joga assim uma pelada na rua ou em uma final de Libertadores", diz o diretor executivo de futebol do Grêmio, André Zanotta.
As jogadas em campo só refletem o que ele é na vida. Os amigos brincam e denunciam que ele faz o tipo 'falso lento' até na relação com a mulherada. Fica na sua e, quando ninguém percebe, já está com a garota. Tudo com muita discrição, claro.
Luan foge dos microfones, evita o assédio da imprensa e blinda bem seus familiares. Mas quando achava que deve, ninguém segura. Na comemoração do título continental, perguntou se o repórter de TV estava ao vivo para soltar um palavrão em alto e bom som e provocar Thiago Neves e Lucas Sasha.
"Tenho minha opinião e é difícil mudar. Sempre acabo tentando fazer o correto. Sou um pouco quieto, dá para perceber, mas quando me irrita e a gente fica bravo, acaba saindo um pouquinho", conta. "Eu procuro manter a tranquilidade sempre, tanto dentro de campo, às vezes acaba saindo um pouquinho disso. Mas é meu jeito, acho que algumas coisas dentro de campo que eu não gosto, eu fico bravo, xingo, brigo. Mas é mostrando que eu quero vencer", diz ele.
Quase desistiu do campo antes de explodir
Luan já mostrava que não era só mais um na multidão ainda com seus nove anos de idade. Nessa época, ele já jogava no projeto Missão Resgate, que atendia crianças carentes no bairro São Jorge e dava um baile no futsal. Até hoje usa a condução com a bola e o drible curto que aprendeu naqueles tempos. Além da habilidade, desenvolveu também a paciência.
Os tempos eram difíceis. O técnico Alex Rocha lembra que ajudava com chuteiras e lanches. Já no fim da adolescência, conseguiram uma ajuda de custo de R$ 200 com a prefeitura da cidade. Não eram raras as vezes que enfrentava times de meninos mais ricos e ouvia de tudo. "Falavam que a gente era pobre, que a gente passava fome, que era time de periferia", conta Leonardo, amigo de infância.
Ainda cedo, aprendeu a usar a inteligência para vencer diante das adversidades. "Às vezes acontecia uma situação adversa de intimidação, de adversário querendo intimidar, até mesmo bater nele para ele não jogar. E ele nunca saiu do jogo. Ele nunca fugiu da responsabilidade. Eu me lembro de um jogo contra o Santos no futsal. A nossa equipe sem estrutura nenhuma e o time adversário com toda a estrutura de uma equipe profissional, e acabou o jogo com 6 a 2 para nós. Ele acabou com o jogo. Fez quatro gols", conta o técnico na época, Ademir.
Ademir até hoje se orgulha da trajetória do pupilo e de ter metido o dedo onde devia. Já com 18 anos, Luan havia deixado o futsal para se dedicar ao campo. Jogou no Tanabi e no América de Rio Preto. Insatisfeito, quis retornar ao time nas vésperas de disputar a Copa São Paulo de futebol de júnior, mas ouviu do técnico que precisava insistir mais um pouco e apostar todas as fichas nos três jogos que poderiam mudar sua vida. Não deu outra. Luan arrebentou e despertou o interesse do Grêmio.
Silêncio sobre o pai e amigos (muito) por perto
Até hoje Luan é grato pelos conselhos recebidos no passado e faz questão de manter suas raízes. Sociável, é aberto a novas amizades e tem em seu seleto grupo o cantor de funk Nego do Borel e os badalados Neymar e Gabriel Jesus, com quem conviveu na seleção.
Mas ele não se ilude com qualquer um que se aproxima agora que é famoso. Luan é amigo dos amigos. E dos bons. É fechado com quem está com ele desde a infância e até aconselha aqueles que escolheram o caminho errado na violenta comunidade São Jorge.
"Tem vários até hoje que nós tentamos ajudar conversando até o fim. Mas cada um segue seu caminho. Tentávamos até que fossem jogar bola com a gente, sair desse mundo aí que não compensa. Graças a Deus sempre tivemos cabeça para não nos envolvermos", conta Geovani Felipe dos Santos, que mora com ele e atua pelo Cruzeiro-RS.
O jogador não chega a ser carente, mas não gosta de ficar sozinho. Curiosamente, vive em uma república em Porto Alegre com três amigos de infância. Alugou uma cobertura de um prédio perto do centro de treinamento do Grêmio e banca todos os custos, não deixa ninguém tirar um real do bolso. A vida é festa, mas com bastante moderação. Os churrascos só são permitidos de vez em quando.
Quem sofre é a faxineira, carinhosamente chamada de "tia", que arruma toda a bagunça que os marmanjos fazem. Os amigos revelam que o meia é um dos piores em termos de organização, mas até se esforça no fim de semana. O mais importante é a verdadeira família formada, que divide momentos de alegria e tristeza. Quando Luan recebeu uma proposta da Rússia, eles foram um dos primeiros a saber.
"Eles acabaram ficando comigo lá em Porto Alegre pelo fato de eu estar sozinho, não ter amigos. Então carrego eles, são pessoas que me ajudaram, que estavam comigo antes de tudo. Isso eu preservo muito, meus amigos, minha família, que sempre estiveram comigo nos momentos difíceis. E agora não pode ser diferente", disse ele.
O amor pelos amigos só não é maior do que pela mãe, dona Márcia, a quem ele deve tudo. Foi ela quem segurou a barra quando Luan perdeu o pai em um acidente de moto, quando ele tinha quatro anos de idade. Ela trabalhou por anos como faxineira para ajudar o filho e sempre o incentivou no futebol ao lado do irmão mais novo, Lucas, e da avó, Cida. "Ela vive sempre me ajudando pelo fato de ser o meu sonho, de acreditar em mim. Foi importante para mim, poder correr atrás e realizar o sonho, devo tudo a ela", conta.
Aos amigos, ele nunca externou sobre a perda do pai. Talvez a infância difícil dê a letra de quem ele é hoje. "Ele foi criado na periferia desde moleque e assim acabou vencendo as dificuldades da vida, no peito, na raça, não tem muita frescurinha. Isso até hoje faz parte da personalidade dele, de quem faz um gol em final da Libertadores com toda a tranquilidade e jogando na Argentina. É um reflexo. Se a vida se apresenta difícil, tem que enfrentar", analisa o seu primeiro técnico, Alex.
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