Foto: Mauro Vieira / Agencia RBS
O Grêmio que voltou da Colômbia com o Bi da Libertadores nas mãos desembarcou em Medellín sob tensão. Além do Nacional de Aristizábal e Higuita, a violência que assolava o país naquela metade da década de 1990 exigia atenção. A morte de Pablo Escobar, o maior traficante de drogas à época, sequer havia completado dois anos.
Enquanto os cartéis de Medellín e Bogotá travavam uma guerra para disputar o comércio de entorpecentes, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) começavam a expandir o medo do campo para a cidade.
Hoje professor da PUCRS e, na época, repórter de Zero Hora que cobriu a decisão da Libertadores de 1995, Juan Domingues passou 12 dias em solo colombiano. Conversou com um dos líderes do braço urbano das Farc e pôde constatar:
— Medellín era uma cidade com medo. Viam-se armas facilmente pelas ruas.
Setorista do Grêmio na final pela Rádio Gaúcha e hoje apresentador, Antônio Carlos Macedo completa:
— A equipe foi levada do aeroporto para o hotel escoltada pelo exército colombiano. Saíamos do elevador e nos deparávamos com policiais fortemente armados, com metralhadora.
Mesmo assim, não houve contratempos durante a estadia gremista na Colômbia. Conforme os relatos de jornalistas, o clima no estádio era oposto ao da sociedade: mulheres, crianças, civilidade e festa. A maior preocupação era mesmo a decisão. Contudo, a delegação tricolor não demonstrava nervosismo.
— Se havia (nervosismo), eles não transpareciam. Até porque os jovens da época, Carlos Miguel, Arílson, Danrlei, eram pessoas extrovertidas. Falavam com convicção das possibilidades do Grêmio. Havia aqueles mais retraídos, como Roger. E havia os cascudos, como o capitão Adílson, o Rivarola, o Dinho, o Luís Carlos Goiano. Eram a garantia de estabilidade emocional — relata Macedo.
Do outro lado, havia um Nacional consciente da força tricolor e da vantagem obtida por 3 a 1 no Olímpico. Apresentador da Rádio Gaúcha, Sílvio Benfica viajou a Medellín no dia seguinte ao primeiro duelo. Ele recorda que tinha acesso livre ao vestiário do time alviverde antes dos treinamentos. Entrevistava Higuita e seus companheiros sem problema algum, algo impensável hoje em dia.
Mal sabia o radialista que se tornaria um "espião" de Felipão. Na tarde do jogo decisivo, Luiz Felipe Scolari e o preparador físico Paulo Paixão chamaram Benfica para uma conversa no quarto do hotel.
— Vivi uma das experiências mais extraordinárias da minha carreira. Felipão me deu um papel e uma caneta e disse: "Bota aí como o Nacional treinou". Fiz o que ele pediu, e só depois me dei conta do tamanho da minha responsabilidade. Ainda bem que deu certo — brinca.
O voo festivo
Um quinhão acanhado atrás do gol à esquerda das cabines de televisão abrigava cerca de 200 torcedores gremistas no Atanasio Girardot naquela noite de 30 de agosto de 1995. Ao redor deles, 50 mil colombianos. A maioria dos gaúchos havia deixado Porto Alegre ainda na madrugada em um avião fretado com destino a Medellín.
Alguns lugares estavam vagos de propósito. A delegação tricolor retornaria no mesmo voo após o jogo. Depois do apito final no campo do Nacional, uma festa "pequena e enorme ao mesmo tempo", nas palavras do jornalista Juan Domingues, teve início. Além da imprensa gaúcha, alguns torcedores conseguiram invadir o gramado e entrar no vestiário gremista.
— Tive oportunidade de comemorar muitos títulos no Olímpico, mas ganhar fora de casa, 150 contra 50 mil, é uma sensação que só quem está lá pode comentar — recorda o administrador de empresas Alfredo Oliveira, à época com 16 anos.
O jornalista Sebastião Ribeiro lembra que, já no retorno à capital gaúcha, todos queriam uma foto com a taça da Libertadores ou com os heróis da conquista. Enquanto no solo de Medellín os colombianos voltavam para casa cabisbaixos, uma festa muito particular ganhava o céu da América do Sul.
— Para a ala VIP devia ter uísque, champanhe. Mas para nós tinha só Campari. Tomei um porre que me deixou três dias de cama — recorda Ribeiro.
Vice de futebol à época, Luiz Carlos Silveira Martins, o Cacalo, diz que "a comemoração rolava por todo o avião".
— Eu fiquei tão anestesiado que fiquei sentado, praticamente assistindo a tudo aquilo — resume.
Mas a euforia do início da viagem deu lugar ao cansaço após uns e outros copos de cerveja. Juan Domingues era um dos poucos jornalistas a bordo, já que a equipe da Rádio Gaúcha havia perdido o voo.
— Os jogadores estavam exaustos. É como se participassem de uma festa a noite inteira e tivessem outro compromisso na manhã seguinte, mesmo que festivo — cita, lembrando que os jogadores ainda desfilariam em carro aberto na chegada a Porto Alegre.
Durante a comemoração, o torcedor Sebastião notou que um dos responsáveis por aquele título era o centroavante Nildo. Reserva de Jardel em 1995, ele havia marcado o gol do título da Copa do Brasil em 1994, o que deu ao Grêmio a vaga na Libertadores do ano seguinte.
— Uma figura que me marcou foi o Nildo. Via ele num canto, ninguém dava muita bola. Aí lembrei que, se não fosse ele, ninguém estaria ali. Fui lá conversar. Precisava agradecer — conclui.
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O Grêmio que voltou da Colômbia com o Bi da Libertadores nas mãos desembarcou em Medellín sob tensão. Além do Nacional de Aristizábal e Higuita, a violência que assolava o país naquela metade da década de 1990 exigia atenção. A morte de Pablo Escobar, o maior traficante de drogas à época, sequer havia completado dois anos.
Enquanto os cartéis de Medellín e Bogotá travavam uma guerra para disputar o comércio de entorpecentes, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) começavam a expandir o medo do campo para a cidade.
Hoje professor da PUCRS e, na época, repórter de Zero Hora que cobriu a decisão da Libertadores de 1995, Juan Domingues passou 12 dias em solo colombiano. Conversou com um dos líderes do braço urbano das Farc e pôde constatar:
— Medellín era uma cidade com medo. Viam-se armas facilmente pelas ruas.
Setorista do Grêmio na final pela Rádio Gaúcha e hoje apresentador, Antônio Carlos Macedo completa:
— A equipe foi levada do aeroporto para o hotel escoltada pelo exército colombiano. Saíamos do elevador e nos deparávamos com policiais fortemente armados, com metralhadora.
Mesmo assim, não houve contratempos durante a estadia gremista na Colômbia. Conforme os relatos de jornalistas, o clima no estádio era oposto ao da sociedade: mulheres, crianças, civilidade e festa. A maior preocupação era mesmo a decisão. Contudo, a delegação tricolor não demonstrava nervosismo.
— Se havia (nervosismo), eles não transpareciam. Até porque os jovens da época, Carlos Miguel, Arílson, Danrlei, eram pessoas extrovertidas. Falavam com convicção das possibilidades do Grêmio. Havia aqueles mais retraídos, como Roger. E havia os cascudos, como o capitão Adílson, o Rivarola, o Dinho, o Luís Carlos Goiano. Eram a garantia de estabilidade emocional — relata Macedo.
Do outro lado, havia um Nacional consciente da força tricolor e da vantagem obtida por 3 a 1 no Olímpico. Apresentador da Rádio Gaúcha, Sílvio Benfica viajou a Medellín no dia seguinte ao primeiro duelo. Ele recorda que tinha acesso livre ao vestiário do time alviverde antes dos treinamentos. Entrevistava Higuita e seus companheiros sem problema algum, algo impensável hoje em dia.
Mal sabia o radialista que se tornaria um "espião" de Felipão. Na tarde do jogo decisivo, Luiz Felipe Scolari e o preparador físico Paulo Paixão chamaram Benfica para uma conversa no quarto do hotel.
— Vivi uma das experiências mais extraordinárias da minha carreira. Felipão me deu um papel e uma caneta e disse: "Bota aí como o Nacional treinou". Fiz o que ele pediu, e só depois me dei conta do tamanho da minha responsabilidade. Ainda bem que deu certo — brinca.
O voo festivo
Um quinhão acanhado atrás do gol à esquerda das cabines de televisão abrigava cerca de 200 torcedores gremistas no Atanasio Girardot naquela noite de 30 de agosto de 1995. Ao redor deles, 50 mil colombianos. A maioria dos gaúchos havia deixado Porto Alegre ainda na madrugada em um avião fretado com destino a Medellín.
Alguns lugares estavam vagos de propósito. A delegação tricolor retornaria no mesmo voo após o jogo. Depois do apito final no campo do Nacional, uma festa "pequena e enorme ao mesmo tempo", nas palavras do jornalista Juan Domingues, teve início. Além da imprensa gaúcha, alguns torcedores conseguiram invadir o gramado e entrar no vestiário gremista.
— Tive oportunidade de comemorar muitos títulos no Olímpico, mas ganhar fora de casa, 150 contra 50 mil, é uma sensação que só quem está lá pode comentar — recorda o administrador de empresas Alfredo Oliveira, à época com 16 anos.
O jornalista Sebastião Ribeiro lembra que, já no retorno à capital gaúcha, todos queriam uma foto com a taça da Libertadores ou com os heróis da conquista. Enquanto no solo de Medellín os colombianos voltavam para casa cabisbaixos, uma festa muito particular ganhava o céu da América do Sul.
— Para a ala VIP devia ter uísque, champanhe. Mas para nós tinha só Campari. Tomei um porre que me deixou três dias de cama — recorda Ribeiro.
Vice de futebol à época, Luiz Carlos Silveira Martins, o Cacalo, diz que "a comemoração rolava por todo o avião".
— Eu fiquei tão anestesiado que fiquei sentado, praticamente assistindo a tudo aquilo — resume.
Mas a euforia do início da viagem deu lugar ao cansaço após uns e outros copos de cerveja. Juan Domingues era um dos poucos jornalistas a bordo, já que a equipe da Rádio Gaúcha havia perdido o voo.
— Os jogadores estavam exaustos. É como se participassem de uma festa a noite inteira e tivessem outro compromisso na manhã seguinte, mesmo que festivo — cita, lembrando que os jogadores ainda desfilariam em carro aberto na chegada a Porto Alegre.
Durante a comemoração, o torcedor Sebastião notou que um dos responsáveis por aquele título era o centroavante Nildo. Reserva de Jardel em 1995, ele havia marcado o gol do título da Copa do Brasil em 1994, o que deu ao Grêmio a vaga na Libertadores do ano seguinte.
— Uma figura que me marcou foi o Nildo. Via ele num canto, ninguém dava muita bola. Aí lembrei que, se não fosse ele, ninguém estaria ali. Fui lá conversar. Precisava agradecer — conclui.
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